
Por Carlos Átila, presidente do Sescap-CE
Com a promulgação da Emenda Constitucional 132/2023, o Brasil caminha para a maior mudança já vista no sistema de tributos sobre o consumo. A promessa é substituir cinco tributos (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS) por dois: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), federal, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), de competência estadual e municipal. Além deles, surge o Imposto Seletivo (IS), voltado a bens e serviços prejudiciais à saúde e ao meio ambiente.
Na teoria, busca-se simplificação e neutralidade. Na prática, o processo é complexo, envolve muitas camadas de regulamentação futura e traz impactos expressivos que ainda geram mais perguntas do que respostas. Empresas de diversos setores já demonstram preocupação com o custo da transição e com o impacto nos seus modelos de negócio.
Para ajudar empresários a se situarem neste cenário de incerteza, respondemos a seguir algumas dúvidas frequentes:
1) A reforma trará algum benefício para as empresas?
Sim, especialmente no que diz respeito à simplificação do modelo e à uniformização de regras entre os entes federativos. A promessa de menos complexidade pode, no médio prazo, reduzir custos com compliance. No entanto, esse benefício ainda depende da regulamentação complementar, que será decisiva para saber se essa simplificação se concretizará ou será apenas uma troca de burocracias.
2) Como será o novo modelo de apuração de impostos?
O modelo será baseado no princípio do destino, ou seja, o imposto será devido no local de consumo final do bem ou serviço. A ideia é reduzir a guerra fiscal entre estados — um problema estrutural que a reforma tenta enfrentar, mas que dificilmente desaparecerá apenas com mudança na sistemática de arrecadação.
3) O sistema será cumulativo?
Não. A proposta é de um modelo não-cumulativo com crédito amplo, o que é tecnicamente mais eficiente. No entanto, esse crédito só será vantajoso para empresas que tenham uma cadeia longa de insumos e operações. Negócios com poucos insumos tributáveis terão dificuldade em gerar créditos, o que gera distorções.
4) Quais setores da economia devem se beneficiar com a reforma?
Indústrias, exportadoras e setores com cadeias produtivas complexas ou operações interestaduais tendem a ser os maiores beneficiados. O novo modelo é mais amigável à indústria de transformação do que ao setor de serviços. A desoneração das exportações e dos investimentos é um avanço esperado, mas ainda pendente de detalhamento operacional.
5) Quais setores poderão ser prejudicados?
Serviços intensivos em mão de obra — como educação, saúde suplementar, tecnologia, advocacia e contabilidade — devem sofrer aumento real da carga tributária. Hoje tributados em modelos cumulativos com alíquotas baixas, serão expostos a uma alíquota padrão estimada entre 25% e 27%. É uma mudança brusca e preocupante.
6) O que explica que esses setores sejam os mais impactados?
São segmentos com baixa aquisição de insumos tributáveis e, portanto, geram poucos créditos. O sistema não foi desenhado para considerar essas especificidades. A lógica industrial foi mantida, sem um debate amplo sobre os impactos econômicos no setor terciário, que hoje responde por mais de 70% do PIB brasileiro.
7) Quais processos as empresas precisarão mudar?
Além de revisão de contratos, precificação e treinamento de pessoal, será necessário reformular sistemas de faturamento e ERP. Muitos negócios terão que contratar assessoria especializada, principalmente para lidar com a convivência de dois sistemas tributários durante anos — o que, ao contrário da simplificação prometida, tende a gerar um cenário de complexidade transitória significativa.
8) O que podemos esperar do período de transição?
A transição, de 2026 a 2033, será longa e custosa. Haverá uma sobreposição de regras, com coexistência dos modelos antigo e novo. Empresas terão que lidar com apuração dupla, obrigações acessórias em dobro e uma curva de aprendizado alta. O Brasil poderá passar anos em um ambiente de insegurança jurídica até que o novo sistema esteja estabilizado.
9) Na prática, quais ações os empresários precisam implementar para atravessar bem a transição?
• Atualizar sistemas de gestão fiscal e contábil;
• Estar prontos para escriturar dois sistemas simultaneamente;
• Capacitar times internos para interpretação e aplicação das novas regras;
• Revisar cláusulas contratuais com impacto tributário;
• Acompanhar de perto as leis complementares, que ainda serão editadas, e que definirão de fato como funcionará o novo sistema.
📌 Reflexão Final:
A Reforma Tributária propõe um redesenho completo da tributação sobre o consumo, mas sua execução ainda está cercada de incertezas. O momento exige cautela, preparo técnico e acompanhamento contínuo das normas infraconstitucionais que definirão os contornos práticos dessa nova era fiscal. O pragmatismo, e não o entusiasmo cego, é a melhor bússola para atravessar esse processo.